sexta-feira, 2 de julho de 2010

O culto e a pós-modernidade

O CULTO E A PÓS-MODERNIDADE
Pastor Neucir Valentim

Antigamente, tínhamos um número enorme de grupos na igreja e a juventude participava efetivamente dos trabalhos da igreja. Funcionavam as Confederações, as Federações e as Uniões de acordo com as suas respectivas faixas etárias.

De um tempo para cá, todos nós, e não digo levianamente de forma generalizada, porque acho que a generalização é perigosa, mas baseado nas conversas com pastores e líderes dos mais diversos agrupamentos que funcionavam assim, e de fato é: Algo mudou, e as coisas não são mais como antigamente. Não podemos negar uma verdade tão clara, ao mesmo tempo não adianta forçar algo que não está funcionando, porque buscamos com isso, colocar a culpa dessa natureza interna da igreja sem olhar o pano de fundo que nos envolve, aí culpamos alguém pela situação, primeiro o pastor,depois os jovens, depois os adolescentes, depois não temos mais desculpas para dar e voltamos à velha ladainha: não é mais como antigamente!

De fato não é mesmo. Dias desses um pastor veterano cuja igreja era poderosa em cantatas e em atividades de deixar os outro babando me disse: - Pois é as coisas mudaram na minha igreja, já não fazemos aquilo que outrora éramos bons, está todo mundo com compromissos, e já não existe aquela igreja ardorosa de outrora. Ele se sentia culpado, mas depois refletiu melhor e está entendendo o processo. Colocar a culpa na pós-modernidade parece que cai como uma "desculpa" para os mais antigos, pois não compreendem que ela mudou todos os relacionamentos.

Alguns insistem em não ver que ela mudou e que essa transformação alcançou a igreja, só os que não a conhecem bem, não entendem o poder do impacto em nossas relações.

Primeiro temos uma igreja hoje mais secularizada: Os jovens que viviam na igreja, geralmente tinham uma meta, terminarem o primeiro ou o segundo grau, arrumar um trabalho e viver com a família em sua igreja.

Só nesse quesito muitas coisas aconteceram. Hoje, ter uma faculdade já não significa muita coisa, e as pessoas "ralam" para conseguir um lugar ao sol, mais notadamente a maioria de nossos jovens e adolescentes estão "correndo atrás dos estudos" porque o mercado de trabalho não perdoa.

Os adolescentes estão em pré-vestibulares exaustivos ou em cursos de preparação, os que estão na graduação não tem tempo para nada, e quando terminam, precisam de uma pós-graduação e um mestrado. Faça uma enquete na igreja e veja quantos estão estudando alguma coisa para arrumar algum lugar ao sol, e você ficará espantado como está todo mundo exausto querendo uma qualificação melhor, e isso tem começado bem mais cedo do que imaginamos. Em segundo lugar a cultura da informação instantânea e de entretenimento é extremamente cativante e desigual para com as igrejas.

O Brasil é tido como o país onde o "internauta" passa a maior parte do tempo em frente ao computador, chegando a alguns casos há 13 horas por dia, a televisão como canal fechado (vários canais de entretenimento) também tem sido uma fonte de busca e de passatempo agora, disponível a uma parcela maior da população, nem quero entrar no mérito do YouTube que já concorre com a TV comum.

A TV aberta está cultivando novos ídolos do Brasil: O futebol, a novela e os realities Shows, a coisa é tão absurda que se consegue mais votos nesses programas "ao vivo" para os seus concorrentes, do que para Presidente da República! Ora bolas, se um jogador do Big Brother consegue mais de 60.000.000 (sessenta milhões de votos) é porque a audiência pega o nosso povo também, ou somos ingênuos em achar que os crentes não assistem a esses programas?

A Novela que antigamente era coisa de donas-de-casa, agora dominou completamente o mercado dos homens. Boa parte da população discute assuntos de novela como se fossem coisas reais, verdadeiras e do cotidiano, sendo até manchete de jornal! Sem pensar na destruição dos valores morais que elas trazem.

Quem não assiste novela fica como se fosse um alienado diante de brincadeiras oriundas de alguns personagens de plantão. E como diz o nome, novela vem de novelo, que enrola quem nela se apega. Temos também o futebol que mobiliza o mundo todo, como nunca! É o assunto do dia, da noite e da manhã e do dia seguinte, quem não assiste vira um ET.

Para que você tenha noção (E não vai aí nenhum juízo de valor) ninguém ia para uma igreja com camisa de times, e hoje isso é mais do que normal. Até pastores fazem isso. Imagina isso antigamente! Tem o play station (e sabemos que boa parte da casa de nossos jovens e adolescentes tem), as músicas, o mp3, mp4,mp5, mp10 e por aí vai... Os celulares servem também para serem usados como telefone, porque eles têm tantas coisas que falar ao telefone ficou em último lugar na prioridade da escolha.

Além do fato de que o celular virou motivo de urgência, deixá-lo desligado ou não atender a um chamado é como se deixasse alguém morrer.

A decisão de abrir o mercado no domingo também pegou muita gente pelo pé. Trabalhava-se no domingo sim, mas não era como hoje, depois que a Confederação Nacional do Comércio tirou as barreiras que desestimulavam o trabalho dominical, tudo funciona aos domingos, desde um supermercado, até serviços não essenciais, mas que dão lucro ao dono do negócio.

Poderia falar que o nosso tempo foi roubado pela pós-modernidade e ninguém tem tempo nem para viver, e a igreja acaba ficando em segundo ou pior, último plano.

Quem sobrevive a isso? As opções têm sido igrejas que funcionam como Comunidades, onde as pessoas entram, cantam e saem depois de ouvir uma "boa" palavra. Esse é o modelo vigente de culto da pós-modernidade. Faço uma exceção das "mega igrejas" e dos "mega ministérios", que pagam músicos e outras atividades afins, e que podem manter orquestras, grandes corais coisas do gênero.


Confesso que estamos precisando olhar este assunto com carinho antes que nos culpemos por um estado que não é só nosso, mas do mundo evangélico como um todo que vitima principalmente as chamadas igrejas históricas. Posso falar com sinceridade que tenho saudade da minha igreja da juventude, onde mais de oitenta jovens estavam à disposição aos dias de semana, aos sábados e aos domingos, mas hoje, estão mais velhos como eu, lamentando que as coisas mudaram, mas sabem, por experiência própria que precisam ter seus filhos na faculdade ou compreendem o que é de fato a pós-modernidade. E que o tempo que tínhamos outrora, foi-se embora. Posso lembrar também do principio fast-food que se instalou em nosso meio evangélico da pós-modernidade.

Apenas em São Gonçalo existem mais de 6.000 novas denominações evangélicas, imagina no Estado do Rio de Janeiro ou Brasil? Isso cria essa nova dinâmica, onde a igreja local deixa de ser o referencial absoluto e passa ser marginalizada, porque é muito fácil achar uma igreja nova, próximo a casa para experimentar os seus novos modelos.

Sim, perdemos as raízes, pois a pós-modernidade não deixa espaço para isso, ela transforma tudo em cultura do virtual, das comunidades virtuais, das amizades virtuais, dos jogos virtuais e dos relacionamentos virtuais também.

Esses dias ouvi alguém dizendo que não ía a igreja dia de domingo, mas não deixava de assistir o culto da igreja de um outro Estado, pela internet!


O que falar dos tele-evangelistas cuja concorrência ou dos conferencistas é desleal com os pastores de "carne e osso"? Sim porque esses parecem que são tão midiáticos, que são intocáveis, não tem contato com ovelhas, e por isso, são ótimos, perfeitos e incomparáveis ao pastor local que "conhecemos" os seus defeitos, pois os da mídia, só aparecem bonitos e com boas palavras.

A pós-modernidade na verdade está causando um mal maior, o da falta de ligação afetiva, e o custo disso está aí, na família destroçada, na sociedade hedonista e na busca do prazer a qualquer preço.

Um dos grandes problemas da pós-modernidade foi o fim dos paradigmas, ou se era de direita ou de esquerda, pentecostal ou tradicional, isso ou aquilo, ela relativizou tudo e nada está certo, e a moral nisso, onde fica? A moral na pós-modernide está no limite do padrão de prazer que alguém pode ter. Em outras palavras, se confere prazer, porque não fazer? Esse é o limite moral.

Ouço uma ladainha de pastores que gemem porque não conseguem compreender mais o mundo em que vivem, em contrapartida, para alguns pastores "aventureiros", adoraram os novos tempos, porque no período anterior à pós-modernidade, eles seriam cobrados por algumas atitudes que têm ou pelo que realizam em nome do sagrado, com a maior cara de pau.

Afinal, todos querem ser senhores de si mesmos, e quanto a isso, nada melhor do que uma igreja que mergulha de cabeça aproveitando a falta de amor dos dias atuais. Encaro o atual momento com dois versículos que Jesus falou: " Contudo quando vier o Filho do homem, porventura achará fé na terra? Lc 18:8.

Sim, porque o atual momento promove tudo, menos a fé singela e genuína do passado.

O segundo versículo também, de natureza escatológica é mencionado também em Lucas "Olhai por vós mesmos; não aconteça que os vossos corações se carreguem de glutonaria, de embriaguez, e dos cuidados da vida, e aquele dia vos sobrevenha de improviso como um laço.", Lc 21:34. Jesus está falando desse tipo de embriaguês espiritual, afinal, ele fala para crentes.